Grandes empresas conseguem derrubar na Justiça limite para compensações tributárias
Por: Arthur Rosa
Fonte: Valor Econômico
Contribuintes conseguiram na Justiça Federal derrubar o limite mensal para
compensações tributárias federais imposto pela Lei nº 14.873, de 2024. Há
decisões de primeira e segunda instâncias favorecendo grandes empresas -
entre elas a Pernambucanas, a Vibra Energia e a Ciclo Cairu, que atua na
distribuição de peças para bicicletas e motos.
A norma, fruto da conversão da Medida Provisória (MP) nº 1.202, de 2023,
restringe o uso dos créditos tributários oriundos de ações judiciais acima de R$
10 milhões. Determina que devem ser compensados no período entre 12 e 60
meses - valor igual ou superior a R$ 500 milhões, por exemplo, em 60 vezes.
Segundo informou a Receita Federal na época da edição da MP, seriam afetadas
quase 500 grandes empresas.
As decisões favoráveis aos contribuintes, segundo especialistas, normalmente
impedem a aplicação do teto para créditos tributários obtidos judicialmente
antes da edição da MP. A jurisprudência, porém, afirmam eles, está dividida,
pendendo para a Fazenda Nacional.
A Pernambucanas conseguiu recentemente manter sentença favorável no
Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3). O relator do caso,
desembargador Carlos Delgado, em decisão monocrática, levou em
consideração que as demandas das quais se originaram os créditos objeto dos
pedidos de compensação tiveram o trânsito em julgado certificado em 16 de
janeiro de 2016, 3 de agosto de 2022 e 28 de abril de 2023 e “somente em
dezembro de 2023, por meio da edição da MP nº 1.202, passou-se a estabelecer
um limite mensal para a compensação dos créditos oriundos de controvérsia
judicial”.
“De modo que resta inviável a aplicação das referidas normas a procedimentos
de compensação tributária cujos critérios a serem observados restaram
consolidados em decisão irrecorrível, configurando, em última análise, violação
ao princípio tempus regit actum”, diz o desembargador (processo nº 5000572-
39.2024.4.03.6100).
Medida tem impacto direto no caixa da companhia”
— Marcelo Guimarães
Ele lembra que a questão já foi enfrentada pelo Superior Tribunal de Justiça
(STJ) em julgamentos de recursos repetitivos (Temas nº 265 e nº 345). No de
nº 345, destaca, a Corte estabeleceu, em dos um dos pontos da tese, que a “a lei
que regula a compensação tributária é a vigente à data do encontro de contas
entre os recíprocos débito e crédito da Fazenda e do contribuinte”.
Em sentença favorável à Ciclo Cairu, o juiz Shamyl Cipriano, da 2ª Vara Federal
Cível da Seção Judiciária de Rondônia, lembra da decisão dada no Tema nº 265
pelo STJ. De acordo com ele, os ministros definiram que, “em se tratando de
compensação tributária, deve ser considerado o regime jurídico vigente à época
do ajuizamento da demanda, não podendo ser a causa julgada à luz do direito
superveniente”.
Para ele, a lei pode dispor sobre as disposições legais (condições e garantias para
as compensações administrativas), “mas a delimitação de faixas de valor de
créditos e prazo máximo para compensar por ato do Poder Executivo, desborda
dos critérios legais, configurando violação aos princípios constitucionais
tributários, como o da segurança jurídica, da reserva legal, bem como da
isonomia tributária” (processo nº 1005608-73.2024.4.01.4100).
No TRF-2, a Vibra Energia obteve decisão favorável, por maioria de votos. O
caso foi analisado pela 3ª Turma Especializada. No julgamento, prevaleceu a
divergência aberta pelo desembargador William Douglas, que aceitou a
argumentação de que aos créditos originados de ações ajuizadas antes da MP
não poderia ser aplicada a limitação estabelecida pela lei.
“A discussão travada no âmbito da tutela recursal foi precisa ao demonstrar que
o regime de compensação tributária vigente à época da propositura do mandado
de segurança [que gerou o direito aos créditos tributários] era distinto e gerava
efeitos imediatos, extinguindo o débito compensado, restando apenas pendente
a posterior homologação pela Receita Federal”, diz ele.
Ele acrescenta que “o novo regramento não apenas estabeleceu uma limitação
temporal para a utilização dos créditos (60 meses), mas também passou a exigir
o recolhimento integral e imediato do IRPJ e da CSLL sobre o valor total do
crédito a ser compensado, no momento de sua habilitação perante a Receita
Federal” (processo nº 5020827-35.2024.4.02.5101).
Breno de Paula, do escritório Arquilau de Paula Advogados Associados, que
defende a Ciclo Cairu, destaca que o entendimento da Justiça Federal
“representa uma vitória importante para a segurança jurídica e para os
contribuintes brasileiros”. “A medida traz impacto econômico relevante, pois
permitirá às empresas utilizarem integralmente os créditos acumulados,
aliviando o caixa e contribuindo para a retomada da atividade produtiva.”
Marcelo Guimarães, sócio do Mattos Filho, que defende a Pernambucanas,
afirma que a limitação ao uso dos créditos tributários é uma medida que não
propriamente aumenta a carga tributária, mas acaba tendo um efeito muito
parecido. “Tem impacto direto no caixa da companhia. É uma mudança no
meio do caminho. E em um ambiente de taxas de juros elevadas, é um custo
financeiro muito alto”, diz.
Carlos Gama, do Velloza Advogados Associados, defende que, quando o
crédito tributário é reconhecido por decisão judicial, a compensação deve seguir
as regras vigentes à época. “Esses critérios integram os limites da própria causa
de pedir, sendo fundamentais para garantir o direito adquirido do contribuinte
e a preservação da coisa julgada, nos casos em que já havia decisão judicial
definitiva a seu favor”, afirma o advogado, destacando que a disputa está
acirrada, pendendo para a Fazenda Nacional.
Levantamento feito pelo advogado, a pedido do Valor, mostra que há decisões
desfavoráveis nos tribunais regionais federais de três regiões (2ª, 3ª e 4ª). Em
nota ao Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) confirma
que, embora não haja ainda manifestação dos tribunais superiores, “a União
identifica uma tendência favorável à sua tese nas instâncias iniciais de
julgamento das seis regiões”. Há, no Supremo Tribunal Federal (STF), uma ação
sobre o assunto, ajuizada pelo Partido Novo (ADI 7587), ainda sem previsão
de julgamento.
“Na maioria dos Tribunais Regionais Federais, boa parte das decisões -
interlocutórias e sentenças - é em sentido favorável à União. A tendência se
confirma nos julgamentos tanto colegiados, quanto monocráticos, proferidos
pelos tribunais”, diz o órgão.
Procurada pelo Valor, a defesa da Vibra Energia não quis se manifestar sobre
o assunto.